Verso 1: Sou herdeiro de um pa**ado violento Da tortura camuflada atrás de cada descobrimento Sou filho oprimido de um fascismo cinzento Que castrou o meu alento e o meu livre pensamento Produto interno bruto de uma revolução pacífica Com acção militar e o povo na expectativa Escravo do fado, melancolia e saudade Menino mimado sem saber o que fazer com a liberdade Sou Português, à beira-mar plantado De interior desertificado e a comer peixe importado Sou rude, frio, como o Atlântico vizinho Ainda fechado, isolado, tacanho e mesquinho Mente que perpetua a censura da ditadura Uma mudança continua a ser proibida aventura Distante, indiferente e de trato formal Arrogante, mas sem grande motivo para tal Refrão: Sou o queixume, a censura do Novo Estado Á espera sentado, como Abril de 74 Emigrante ou retornado, de esquerda ou de direita Anatomia imperfeita da lusitana receita Verso 2: Eu sou apenas mais um número múltiplo de quinas Um Zé-povinho com despesas e dívidas Frustrado por não haver mais cu p'ra seringas E a brincar aos enfermeiros temos médias estúpidas Eu sou o 23 % de um produto importado Á espera de um Sebastião montado a cavalo (pago pelo estado) Sou o resultado das patéticas estatísticas Que confirmam ser irrelevante, aquilo que afirmas Sou a quota maioritária de uma ação polémica O silêncio de accionista(s) que meteram as mãos na merda Eu sou o povo que espera um milagre de Fátima E chora na tv com a Júlia numa tarde temática À noite afogo o sossego num copo com angústia Ainda à espera de Fátima e a discutir com a Júlia Sou o velho que sozinho namora a reforma Pai de um filho que ignora a neta Enquanto envenena a sogra E embora não pareça eu tenho tudo latino País chamado Portugal Que se dá pelo nome do vizinho Desconfiado, mesmo! Acho que me aldrabam no banco Tenho créditos p'ra pagar créditos Cheques em branco Entretanto no meu carro Cabem prestações e multas Vou pagar a tv cabo P'ra poder ver gajas nuas Refrão Verso 3: Sou a**a**ino inconsciente do comércio tradicional Marioneta obediente de qualquer multinacional Consumista inveterado com amnésia de um pa**ado Auto-suficiente no pedaço de terra cultivado No lume, tenho sempre o queixume contra a corrupção Quando esta não se exerce em minha função Tenho admiração pelo carisma que se mostra Com mais ou menos poder, eu quero ser um Pinto da Costa Sentado no café, eu expresso a minha revolta Mas é lá que ela fica, à espera que seja solta Não me leves a sério pois foi só um desabafo Amanhã é dia santo, há jogo para o campeonato Quero um emprego, mas que não dê muito trabalho Gosto de estar encostado sempre a aviar no patronato Sou gestor incompetente, crédito dependente Fugitivo do fisco, mas com riqueza aparente Refrão