Eu conheci o rap com Gabriel, o Pensador, com aquele primeiro disco do Gabriel, o pensador. Ele lançou em 1993. Eu tinha oito anos de idade. Através das letras dele, que eu ficava tentando decorar as letras dele, que na época eram as mais subversivas, as mais pá, e a aparência dele talvez, que ele tinha uma barbixa e usava capuz e tal. Ali eu descobri o rap, que existia essa forma mais falada de história e de letras mais pesadas de tu cantar.
Eu gostava muito de desenhar quando eu quera criança, gostava muito de desenhar, em volume, não sei se eu desenhava com qualidade, mas em volume eu desenhava bastante, eram vários desenhos (risos). Depois eu fui largando um pouco o desenho e fui começando a desenhar nas palavras, na linguagem. A pixação, o desenho, isso me levou muito pra composição, tem muito a ver com a necessidade de expressar. Com 16 anos eu comecei a escrever as minhas. Aí eu mostrei para alguém, pro meu parceiro, nunca vou esquecer do Agnaldo, parceiro que era componente do primeiro grupo de rap que eu pertenci que se chamava Livre Arbítrio. Ele ouviu a minha rima e falou: "Caralho, isso é muito foda Ret!". Foi o primeiro estalo que eu vi que poderia escrever rap também, e enfim, falando minha loucura e o pessoal gostando, foi com 16 anos que eu comecei a escrever minhas próprias linhas, não sei exatamente por quê, mas eu sempre pensei em cantar. No fundo, no fundo desde criança eu sempre achei que o máximo do máximo era o cara tá com o microfone cantando o que ele gostava de expressar.
Lá no Rio de Janeiro teve uma cultura muito forte de rap, de funk/rap, que eram os funks proibidos que tinham nos bailes funks e tudo mais. Eu gostava muito de ir pra baile funk, achava aqueles funks proibidos o máximo. Pra mim ver os caras cantando aquela realidade daquela forma, os caras falando de droga, da comunidade deles, aquilo mexeu muito com a minha cabeça. Mr. Catra nessa época foi um cara que trouxe um vocabulário novo pro funk e tudo mais, antes de ele cantar essas músicas putaria, por que ele só canta putaria hoje, né? Mas antes ele cantava umas paradas mais doidas. Teve o momento do Planet Hemp também que foi o momento que eu comecei a ouvir música que é música de verdade. Música com bateria e tudo mais (risos) eu comecei a ouvir com Planet Hemp. Foi quando meu pai podia ouvir o que eu ouvia, porque eu ouvia muito funk, aí eu comecei a ouvir Planet Hemp e já era uma música mais bacana. Acho que Planet Hemp também foi um grande marco.
Meus pais sempre me apoiaram, eles sempre viram a minha necessidade de me expressar. Minha mãe acho que desde criança colocou na minha cabeça que eu ia ser artista, ela desde criança falou isso e talvez isso tenha me influenciado muito mermo. Ela viu sempre viu que eu desenhava, enfim. E até as besteiras que a gente faz aí na pré-adolescência, adolescência, ser pego pela polícia e o caralho, ela sempre achava que eu tinha essa necessidade de me expressar maior do que as outras pessoas têm.
Dos 16 anos aos 26 anos, dez anos, eu fiquei trabalhando no escritório do meu avô. E eu achava que aquilo ia mudar minha vida, que alguma coisa ia acontecer, que eu fosse promovido, que eu fosse ganhar minha vida ali. Não aconteceu, eu não conseguia evoluir naquele trabalho, era uma coisa meio chata. Eu não ganhava, dos 16 aos 26 eu não ganhei mais que 600 reais por mês. Aí eu me revoltei, mano. Tá com 26 anos e tá ganhando 600 conto? Isso tem dois anos atrás, tô com 29 hoje. Aí eu resolvi me atirar no rap mesmo, foi quando eu tava no Numa Margem Distante com o Mãolee que era o projetinho que eu tinha com 26 anos, eu e o Mãolee, a gente fechou um show por 600 reais e porra, eu tava ganhando 500 e pouco na empresa que eu tava trabalhando amigo, porra, em um dia eu posso ganhar fazendo o que eu amo, o que eu não gosto fazendo em um mês, tem coisa errada aí. Então, porra, preciso me dedicar ao rap. Aí no Rio de Janeiro as coisas começaram a acontecer, as rodas começaram a se formar nessa época e aí eu me atirei. Então eu começo a contar que eu tenho dois anos de estrada, não começo a contar desde quando comecei a escrever porque até então levava na brincadeira. Comecei a me dedicar mermo a falar que eu preciso do dinheiro também dois anos atrás.
Rio de Janeiro é mais bonitão, as meninas se vestem com shortinho, as meninas aqui estão de calça, lá as meninas andam de shortinho. Isso é o suficiente para a cabeça do carioca ser diferente, ele é mais sacana, mais debochado, ele é mais ”chega atrasado em reunião” e acho que tem a ver principalmente com a geografia, eu costumo sempre achar isso. Sempre comparo com a questão física da cidade mermo, a geografia da cidade é diferente. No Rio de Janeiro eu nasci entre a favela e o asfalto, na subida do morro. Minha mãe trabalhava em um colégio particular, era professora de um colégio particular, eu estudei de graça nesse colégio, então eu tinha acesso a uma galera que tinha grana, que tinha mais grana que eu, e na minha casa eu me encontrava com a galera da favela também, da rua. Então, no Rio de Janeiro você tem muito isso, se lida muito com a galera mais rica e a galera mais pobre, esse paradoxo é muito comum no Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo, eu tenho vindo mais pra cá, eu vejo que é muito separado. Muito separado mermo. Até a questão racial mermo. Um dia eu fui almoçar com o Mãolee a gente percebeu que todo mundo que tava sentado tava sério pra caralho e era todo mundo branco, maluco, e todo mundo que tava servindo era preto. Isso é uma coisa muito gritante aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro é um ovo mexido, aqui é como se fosse um ovo estalado, é centro e periferia, lá é tudo meio misturado. Isso é mais um motivo do nosso rap ser diferente, não tem muito essa divisão. É um pouco mais misturado, eu acho que é mais interessante, não nasci aqui pra fazer a comparação, mas eu acho que é bem interessante essa parada do Rio de Janeiro.
O Brasil é sertanejo, então mano, é difícil. O rap é uma parte muita pequena do Brasil. Eu não vejo a**im não. Eu acho que tu tem que conquistar teu espaço. Com respeito, sendo quem você é. A luta do rap hoje é ele conseguir entender que dinheiro não é teu inimigo, é tu pegar no dinheiro e mandar no dinheiro. Que neguinho olha dinheiro a**im ainda [de cima pra baixo]. É uma visão de coitado que a gente tem pra caralho. E isso é o que mais me deixa injuriado, porque isso me atrasa, isso me prejudica, isso prejudica a todo mundo, prejudica toda a máquina, eu acho que o principal é isso, é o que o rap tem que trazer é isso, essa verdade, ser menos hipócrita. Poder falar na lata aquilo que acha mesmo, acho que esse é o caminho, liberdade é o caminho. Eu acho que isso vem sendo um aprendizado até pros caras do Racionais que ensinaram rap pra gente. O Brown, pra mim que é o cara mais importante do rap nacional é Brown, e ver hoje ele mudando a opinião dele em relação a isso, ver o reconhecimento dele de que a coisa mudou, que é importante tratar o dinheiro que nem homem. Se não tu trata o dinheiro que nem muleque. Se não tu tá se colocando em uma posição infantil. A Tudubom é muito essa vontade, esse desejo de prosperar, de ir pra frente, de prosperar, de fazer a coisa prosperar saudavelmente. O rap precisa falar mais de dinheiro. Não tô falando que tem que ostentar, tô falando que ele tem que entender que isso é importante. Para as coisas funcionarem. Se não tu vai morrer com 50 anos gritando do lado de fora do jogo que as regras tão erradas. Entra no jogo, joga essa porra, ganha nessa porra, e começa a falar o que tu acha das regras, se não tu vai ficar ali no cantinho que nem uma criança, berrando do lado de fora, chorando, até morrer.
Sou muito feliz de ter esses caras do meu lado. De ter meu primo na parada, de ter o Mãolee na parada. Comecei com o Mãolee que até hoje é meu sócio. Lembro até hoje de eu indo na casa dele, no home studio dele falando ”Mãolee, a gente vai ganhar dinheiro com essa porra”. Ele trabalhava no banco nessa época, falei ”Mãolee, tu vai sair do banco, irmão, a gente vai viajar o Brasil, vambora, mano, vambora”. Era só eu e ele pensando e botando a pilha máxima para a acontecer. São muitos problemas no dia-a-dia, tu tá ligado que tu tem empresa também, são muitos problemas mermo, mas a gente consegue se virar. A gente ri pra caralho, tu viu aqui que a gente tem nosso jeito debochado pra caralho de viajar, de conviver, de fazer essa coisa acontecer, acreditando. Porque a empresa é o meu nome. O nome do time é o meu nome. Conquistar esses caras para estarem do meu trabalhando é o meu maior trabalho. É ter gente do meu lado acreditando em mim, acreditando que eu dou o meu máximo mermo, eu dou meu máximo mermo, vou ser o primeiro a chegar e vou sair por último.
O rap é muito isso, o rap é muito essa auto-estima, a certeza que vai dar certo, porque o rap é muito a energia da rua, desde quando eu pixava muro eu queria me manifestar, morô, eu queria pegar aquele muro, aquele cantinho, isso é uma visão publicitária. Você querer pegar aquilo pra botar teu nome, isso é uma visão egocêntrica também de você colocar teu nome. O rap tem isso, o rap é competitivo. O rap quer ser melhor que o outro mermo. Não é rock, mano. Vem das guerras de gangue, vem da galera que se reunia para se auto-afirmar, auto-afirmação é legítima no rap. O cara vai falar “eu sou foda, eu o caralho, eu conquistei não sei o que”. Isso é o ritmo e poesia agressivo, da rua. É por isso que o gênero tá ganhando: Porque o gênero faz questão de ganhar, o rap faz questão de ganhar. O rap não quer ser pequeno, ele quer ser o maior do mundo, e tá se tornando o maior do mundo mermo, tu vê que hoje o top 10 do mundo é hip-hop, é rapper. Então tem tudo a ver com o sangue mais quente do muleque que é mais pilhado. Você tem que ter o lado essência e o lado sagaz. O rap é a mistura desses dois. É a essência pra saber quem tu sempre foi e quem tu sempre vai ser, e a sagacidade pra defender a sua essência e vender a tua essência da melhor forma possível. Vender sim, mano, por que não vender? Eu quero ter uma família grande, sustentar minha família toda bacanamente, todo mundo ganhando bem, quero ver meus parceiros ganhando bem pra caralho, com dinheiro do rap. Porque nessa parada eu sou muito focado. Eu levo isso muito a sério. É a forma mais séria e despretensiosa que alguém pode levar ao mermo tempo. Com muita seriedade e com muita despretensão também, com muita informalidade, mas muito a sério também. Eu seria muito frustrado e muito infeliz se não tivesse fazendo essa porra. Foda.