[Verso 1]
97...
Eu era um puto já todo hiphopiano
24 horas a ouvir rap como um insano
Ouvia desde Raekwon a Master Ace, Pa** One
Melo D, Abonda, Big Pun, Bahamadia..
Hum.. também queria ser um rapper
E por outros rappers a gritar Mamamia..
Mas fiquei logo desencorajado
Quando Marinho pa**ou na radio aquela maqueta de mafilia
Dealema e Ace na mesma faixa
Trazer aquela cena que racha
Rima suprema que esborracha bro
Manos traziam eloquência nunca antes vista
Era um novo tipo de liricistas com a escrita vanguardista
Achava que nunca ia chegar aquele nível
Seria mais um invisível
Nunca seria protagonista
Depois disso ainda fui ao Johnny Guitar
Ver uns n***as a rimar
E lá vi o n***a War e os Next
Fiquei perplexo
War tinha um flow possesso
E os Next cuspiam versos com a energia de Das EFX...
Ainda havia o Boss
Com a rima causava hipnose
Sunrise do flow complexo rimava tipo um T.Rex
Como é que eu ia brilhar no meio de tantos monstros...
Conseguir fazer o estrondo e ter sucesso com os meus raps?
Mas tu disses-te que um grande homem nao esmereçe
E pa eu acreditar na tese que é na fé que esta o progresso
Disseste-me
Para eu ter auto-estima
E ser persistente
Porque eu ainda iria fazer a melhor rima de sempre..
Comecei a escrever rimas de forma alucinante
Com a fé incessante que um dia seria predominante..
Conheci o Sam
Fazia maquetas e jams
Em casa dele com o Black Master, Master Pula e o S.A.M..
Largava umas bombas mas ainda cheirava a leite..
Mesmo a**im o BomberJack convidou-me para as mixtapes..
Cuspia com fome em cada mix
Obelix do microfone era o ciclone
Valete com o rap matrix..
O meu nome espalhou-se de Monção a Portimão
Eu trouxe aquele rap habilidoso
Que causava a sensação..
Mas muitos diziam que Valete era muito incompleto
Que eu só tinha flow
Que o meu rap não tinha intelecto
O que é que eles queriam?
Que eu fosse Alexandre Herculano?
Que eu fosse um grande carola?
Cuspisse knowledge com 17 anos?
Ai tu disseste-me para não ligar as criticas
Porque isso só me ia causar danos
E afectaria todos os meus planos
Criamos can*l 115
Rimas em série..
Eramos Jery, Gary, Lyricer
Cuspíamos intempéries
Convidaram-nos para uma actuação em Almada
Nós e os Next ia ser lotação esgota
Tava la toda a gente do movimento
Desde manos de Benavente
Até acho que manos de Lousada
Era talvez o nosso concerto mais importante
Ensaiámos quase um mês ia ser carga pesada
Concerto falhado
Eu destroçado
E as ruas a dizer que os Next tinham fuzilado..
Entrou o ano de 99
Hiphop cresceu mais
Black Company e Boss já eram grupos transversais..
Dealema e Sunrise tinham o culto de imortais
Micro e Sam batiam até em vivendas de Cascais
Mind da Gap já rebentava em festivais
Chullage e Xeg na altura eram as promessas nacionais
Já ninguém falava de Valete
Estava desconsiderado e desprezado como um wack..
Sem auto-estima
Larguei as rimas
Larguei a paixão que alimentava a minha rotina..
Sempre que te ouvia a rimar eu recordava
Sempre que ouvia uma batida, amargurava
Sempre que ouvia uma musica minha chorava
Quase dois anos longe daquilo que mais amava..
Ai tu disseste-me de forma dolorido
Que sem o rap eu nunca teria uma vida
Sem o rap seria uma alma obscurecida
Perdida nos traumas e derrotas sofridas
Disseste-me
Que o meu destino era ser um MC influente
E que eu ainda iria fazer a melhor rima de sempre...
Voltei as barras em maio de 2001
Ainda eram ensaios de escarra
Para rappers era sayonara..
Decidi lançar um CD
E ser o MC do R.A.P que narra tudo aquilo que a TV mascara
Gravei Educação visual com dinheiro emprestado
Do meu n***a Vado, Sam, BomberJack e do Cruzado
O álbum saiu em Setembro de 2002
Impacto tremendo
Ainda me lembro como se fosse hoje..
Recebia props de todo o movimento hiphop
Portugal, Macau, Brasil
Principalmente os PALOPS..
2006 lançei Serviço Publico
E o Blitz e o publico chamaram-me novo rei do anti-pop..
Milhões de audições no MySpace e Youtube
Sem rádios nem televisões
Sem nunca vender o cu..
2008 tive uma proposta de angola
Para bulir numa grande empresa
Ganhar por mês 10.000 dollares..
Seria auditor das fabricas de Luanda e Huambo
E a**essor do director da fabrica de Kuando Kubango..
Trabalharia horas infinitas
Já não teria mais tempo para a escrita..
Mas era muita guita
Podia ficar com a vida resolvida e dar um casarão a minha mãe..
Ai tu disseste-me que eu tinha uma missão
Que era dar instrução as ruas e espalhar informação..
Disseste-me que eu não podia abandonar o movimento
Porque eu ainda iria fazer a melhor rima de sempre...
Fiquei apavorado quando me disseste que já não ias rimar mais
Já não ias cuspir instrumentais
Que ias seguir a vida dos iguais..
Agora vejo-te a trabalhar 12 horas por dia
Nesse trabalho que te explora
E devora a tua alegria..
Já não tens tempo pa quase nada
O pouco que tens é para a tua avó adoentada
E para a tua namorada..
Amanha vais fazer um filho
E vais seguir o trilho dos que deixaram a vida hipotecada..
O teu nome ainda é enorme nas ruas
Cospes rap com o uniforme da verborreia mais crua..
Adamastor
Todos adoram
Todos imploram
Pelas tuas rimas que as ruas condecoram..
Sem o rap nunca terás uma vida mano
Sem o rap serás uma alma obscurecida..
E não tens forma de deixar o movimento
Porque ainda tens de vir fazer a melhor rima de sempre...