Era uma luz, um clarão
Um insight num blecaute
Éramos nós sem ação
Como quem vai a nocaute
Era uma revelação
E era também um segredo;
Era sem explicação
Sem palavras e sem medo
Era uma contemplação
Como com lente que aumenta;
Era o espaço em expansão
E o tempo em câmara lenta
Era tudo em comunhão
Com o um e tudo à solta;
Era uma outra visão
Das coisas à nossa volta
E as coisas eram as coisas:
A folha, a flor e o grão
O sol no azul e depois as
Estrelas no preto vão
E as coisas eram as coisas
Com intensificação
Que as coisas eram as coisas
Porém em ampliação
Era como se as víssemos
Entrando nelas então
Com sentidos agudíssimos
Desvelando seu desvão
Indo por entre, por dentro
Aprendendo a apreensão
De tudo bem dês do centro
Do fundo, do coração
Era qual uma lição
Del viejo brujo don juan;
Uma complexa questão
Sem nexo qual um koan;
Um signo sem tradução
No plano léxico-semântico;
Enigma, contradição
No nível de um campo quântico
Era qual uma visão
De um milagre microscópico
Do infinito num botão
E em ritmo caleidoscópico
Ciclos de aniquilação
E criação sucessiva
Átomos em mutação
Cósmica dança de shiva
E as coisas ao nosso ver
Davam no fundo a impressão
De ser de ser e não-ser
A sua composição;
Como a onda tão etérea
E a partícula não tão
Num ponto tal da matéria
Tanto 'tão quanto não 'tão
Até que ponto resistem
A lógica e a razão
Já que nas coisas existem
Coisas que existem e não?
O que dizer do indizível
Se é preciso precisão
Pra quem crê no que é incrível
Não devanear em vão?
Era uma vez num verão
Num dia claro de luz
Há muito tempo, um tempão
Ao som das ondas azuis
E as coisas aquela vez
Eram qual foram e são
Só que tínhamos os pés
Um tanto fora do chão