As carrancas do rio São Francisco
largaram suas proas e vieram
para um banco da rua do Ouvidor.
O leão, o cavalo, o bicho estranho
deixam-se contemplar no rio seco,
entre cheques, recibos, duplicatas.
Já não defendem do caboclo-d'água
o barqueiro e seu barco. Porventura
vem proteger-nos de perigos outros
que não sabemos, ou contra a**altos
desfecham seus poderes ancestrais
o leão, o cavalo, o bicho estranho
postados no salão, longe das águas?
Interrogo, prescruto, sem resposta,
as rudes caras, os lenhados lenhos
que tanta coisa viram, navegando
no leito cor de barro. O velho Chico
fartou-se deles, já não crê nos mitos
que a figura de proa conjurava,
ou contra os mitos já não há defesa
nos mascarões zoomórficos enormes?
Quisera ouvi-los, muito contariam
de peixes e de homens, na difícil
Aventura da vida de remeiros.
O rio, esse caminho de canções,
de esperança, de trocas, de naufrágios,
deixou nas carrancudas cataduras
um traço fluvial de nostalgia,
e vejo, pela rua do Ouvidor
singrando o asfalto, graves, silenciosos,
o leão, o cavalo, o bicho estranho...