Nasci pobre, favelado, sem recato e sem madrinha Vi meu pai estuprar minha mãe, muito doido de farinha Logo cedo fui pro mundo, a**altar, catar latinha Tinha sangue nos meus olhos porque a raiva me convinha Cresci na rua e vi a crua crueldade do animal De cimento fiz a cama e de grades meu varal Desprovido e excluído no sentido literal Menos apto segundo o darwinista social Aos vinte veio a sorte num abrigo milagreiro Onde aprendi as letras e o ofício de pedreiro Acordava ainda escuro, no flagelo por dinheiro Não esperava do futuro o alívio derradeiro Construí um shopping onde eu nunca pa**eei Prédios e escolas onde eu nunca estudei
Ao lado de Mariléia eu formei uma família E o amor que nunca tive, vi nos olhos da minha filha No mar competitivo meu lar era uma ilha Até que um dia o infortúnio cruzou a minha trilha Canelas pretas e blindados invadindo a favela Gritaria, moto-taxis, confronto na viela Um senhor de braços fortes como um escravo de Benguela Agonizava nos meus braços, alvejado na costela Toda a minha vida e o que vira até então Fez sentido nas palavras desse velho ancião: “Vítimas e algozes, todos somos, todos são Nas metrópoles em chamas, irmão contra irmão” Não espero mais a morte, nem o norte nem o trem Eu me chamo Pedro, e você sou eu também